A Comissão de Mulheres do Sinjorba lamenta o tratamento que alguns veículos de comunicação de Salvador vêm dando à cobertura jornalística da morte da delegada Patrícia Neves Jackes Aires, vítima de feminicídio, e cujo principal suspeito é o noivo dela, Tancredo Neves Lacerda Feliciano de Arruda, de 26 anos.
Em busca de maior audiência ou de maior número de acessos, reportagens produzidas por profissionais e divulgadas pelos veículos de comunicação, muitas vezes ignoram as normas éticas que regem a profissão. Um exemplo disso é a exibição de um vídeo no qual a vítima, visivelmente ferida fisicamente, discute com o suspeito de feminicídio, que tenta desqualificá-la. Reproduzido de forma crua pela BNews no Instagram, o vídeo não protege a identidade da vítima, cujo rosto poderia ao menos ter sido desfocado.
Com tratamento ético e jornalístico totalmente oposto, o portal atarde.com mostra a imagem congelada e na penumbra da vítima no vídeo, enquanto o texto que compõe a reportagem narra os fatos e informa o leitor que as cenas não serão veiculadas em respeito à vítima e a seus familiares.
A revitimização de mulheres alvos de crimes contra a vida e crimes sexuais é uma praxe na sociedade patriarcal brasileira, que cultiva o machismo estrutural. Mas isso não pode ser repetido pela imprensa, que tem o dever de lutar pelo respeito aos direitos da sociedade e das minorias.
Para Fernanda Gama, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), é necessário que os casos de feminicídio tenham uma cobertura jornalística ética e responsável, sem reproduzir estereótipos utilizados para justificar o crime, reforçar estigmas ou revitimizar a mulher, colocando sobre a vítima a responsabilidade pela violência que sofreu. “O jornalismo deve atuar como uma ferramenta de conscientização, mostrando à sociedade que o feminicídio é uma tragédia que precisa ser enfrentada com seriedade, longe do sensacionalismo”, diz ela.
Fernanda lembra que o Protocolo Antifeminicídio – Guia de Boas Práticas para a Cobertura Jornalística, criado pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), com apoio do Sinjorba e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), orienta os jornalistas na apuração e produção dessas notícias, para preservar a imagem da vítima, respeitando sua memória e a dor da família.
Ernesto Marques, presidente da ABI-Bahia, acredita na perspectiva de melhoria na cobertura jornalística dos casos de feminicídio, destacando que, ontem, a entidade começou a distribuir o guia na redação de A Tarde. Ele frisou que é preciso observar se a cobertura do feminicídio da delegada será diferente daquela ocorrida no caso da cantora gospel Sara Freitas, marcada por grandes equívocos por parte da imprensa.
Segundo Jaciara Santos, diretora de Comunicação da ABI-Bahia e membro da Comissão de Ética do Sinjorba a revitimização da vítima de feminicídio por parte da mídia é um desrespeito às boas práticas do jornalismo. “É um desafio constante e para tentar reverter esse quadro, seis diretoras (entre as quais eu me incluo) e um diretor da ABI, prepararam um manual que visa orientar profissionais de comunicação a lidarem com assuntos associados às violências de gênero”, informa. Para ela, é lamentável ver que a situação prevalece na mídia e diz que a caminhada é longa e está apenas começando.
Protocolo Antifeminicídio
Lançado no dia 30 de maio deste ano, o “Protocolo Antifeminicídio – Guia de Boas Práticas para a Cobertura Jornalística”, produzido pela ABI-Bahia com o apoio do Sinjorba e da Fenaj, tem como objetivo orientar os jornalistas na apuração e produção de notícias relativas aos crimes associados às diversas formas de violência de gênero.
O guia já está sendo distribuído nas redações e conta com o formato e-book, disponível para consulta no portal da ABI-Ba e do Sinjorba (clique AQUI).
Entre outros conteúdos, o Protocolo Antifeminicídio apresenta estatísticas, legislação, indicações das redes de acolhimento à mulher vítima de violência e um guia para orientar a apuração e redação de reportagens sobre o feminicídio.