Uma verdadeira aula de política, mas também de história, relações internacionais e até literatura é como podemos descrever o Encontro Digital que o Sinjorba promoveu com o ex-ministro Aldo Rebelo, na manhã desta sexta (15). Com o olhar também de jornalista, Aldo abordou com propriedade o tema proposto sobre os rumos políticos do Brasil.
Entre as constatações feitas durante a entrevista, Rebelo foi enfático ao declarar que o atual governo está acabando com a reputação internacional que o Brasil tem de país mediador de conflitos. O governo Bolsonaro, especialmente pela ação de seus ministros da Educação e de Relações Exteriores, está colocando o País como pária no cenário internacional, com uma imagem que só encontra paralelo na história de quando ainda mantínhamos a escravidão como base de produção.
Citando Machado de Assis, logo na abertura, Aldo acrescentou que não apenas “a confusão é geral”, mas também a desorientação promovida pelo governo Bolsonaro. Segundo ele, o presidente se elegeu dividindo o País, a partir de estratégias gestadas por um gabinete do ódio, produção de e disseminação de “fakenews” e outras práticas que desaguaram nessa realidade trágica que sofremos hoje.
Defesa do jornalismo
Durante quase duas horas de muitas perguntas e conversas, sobre os mais variados temas, Aldo mostrou porque já comandou ministérios de peso como o da Ciência e Tecnologia, do Esporte, da Articulação Política e da Defesa, além de ter sido líder do governo Lula e um dos melhores quadros que já passou pela Presidência da Câmara dos Deputados.
A entrevista foi aberta pelo presidente do Sinjorba, Moacy Neves, perguntando como se deu a articulação feita por Rabelo junto ao atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na recente ameaça da MP 905 que, entre outros ataques aos direitos dos trabalhadores, pretendia acabar com a exigência do registro profissional dos jornalistas.
Tratando da preocupação com o exercício do jornalismo, Aldo destacou o impacto das “fakenews” na sociedade atual, afirmando que fez ver ao presidente da Câmara – assim como ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre – que a MP iria chancelar o crime dentro dos meios de comunicação, ao abrir espaço no jornalismo para o que ele chama de escória que fabrica notícias fraudulentas, que quer desfrutar dos direitos e prerrogativas dos jornalistas, sem assumir a responsabilidade que a profissão demanda.
Sobre os ataques a jornalistas, o ex-ministro afirma que o que ocorre hoje no Brasil é expressão da intolerância. “Mas isso tem que ser contido com punição, com repressão. Não podemos permitir que a violência passe das palavras para a ação”. Aldo reconhece que a agressividade contra jornalistas é histórica no País, mas a liberdade de imprensa precisa ser defendida com força porque é uma das bases da democracia.
Impeachment ou golpe?
Para Aldo, não há no horizonte, a princípio, motivos para se crer que o Brasil passe por outra experiência traumática de golpe ou impeachment. Essas alternativas enfrentam um paradoxo, porque – explica ele -, para um golpe seria necessário um governo forte e para o impeachment exatamente o contrário: um governo que não se sustenta. Mas não é isso que vemos.
O Executivo efetivamente está esvaziado e mergulhado numa crise, a qual o próprio Bolsonaro ajudou a criar quando, ainda deputado, trabalhou para enfraquecer a presidência de Dilma e viabilizar seu impeachment através da sobreposição do Legislativo e do Judiciário, naquele processo absolutamente espúrio das pedaladas fiscais.
Agora, na Presidência, Bolsonaro colhe o que plantou, constata Aldo, lembrando que na política, como no dito popular, “aqui se faz, aqui se paga”. Ele vai além. Com conhecimento acumulado pelos vários mandatos como deputado federal, sabe que essa aproximação ensaiada com o “Centrão” não vai salvar Bolsonaro.
Os pedidos de impeachment se acumulam na Câmara, mas a verdadeira ameaça vem dos processos investigativos em curso: sobre a milícia do Rio de Janeiro; as “fakenews” do gabinete do ódio, que podem se configurar em crime eleitoral e perda de mandato; as acusações do ex-ministro Sérgio Moro; e a CPI que investiga todas as denúncias contra Bolsonaro e Moro.
Agora o presidente enfrenta mais uma crise, com a saída de Moro do Ministério da Justiça. Mas para Aldo a saída tem mais a ver com o medo de Bolsonaro de que Moro continuasse a utilizar a Polícia Federal para seus interesses – como fez quando era juiz, para barrar Lula -, do que com a suposta utilização pelo presidente.
Incapacidade de governar
O ex-deputado disse que o que agrava ainda mais o enfraquecimento do poder Executivo é o próprio Bolsonaro, que não se comporta à altura do cargo que ocupa. “Ao invés de uma agenda de interesse nacional, prefere fazer arengas na porta do Palácio, atacando a imprensa, o STF, o Congresso”, lembrou. E continua: “Essa postura comprova que ele não estava preparado para assumir essa tarefa, não tem equipe para conduzir o País, menos ainda no cenário de pandemia que aí está”.
Para Rebelo, a equipe de governo não tem como sustentar os desafios da conjuntura. “O Ministério da Saúde vive uma crise ainda mais profunda porque a condução científica do enfrentamento à Covid-19 se choca com a falta de capacidade do presidente de entender a gravidade da situação”, disse, ainda sem saber que o ministro Teich pedia demissão no momento de nossa webinar. “Soma-se aí a incapacidade do ministro Paulo Guedes, da Economia, de entender que não há espaço para a receita ultraliberal num ambiente de catástrofe sanitária”, acrescentou.
Sobre a participação de ministros militares, Aldo descarta a ingerência das Forças Armadas. “Nenhum deles foi indicado institucionalmente. São amigos do presidente, convidados para integrar o governo pela proximidade pessoal. Não acredito que as Forças Armadas tenham qualquer interesse em participar de uma nova intervenção, como ocorreu em 1964”, analisou.
Respondendo sobre o possível apoio militar a um golpe, Aldo comentou que acha difícil que as Forças Armadas embarquem novamente em uma aventura desta, pois até hoje pagam o preço do golpe de 1964, que não foi dado somente por eles, mas teve o apoio da imprensa, dos empresários e até da igreja. “Entretanto, ninguém fala dos outros atores e a conta caiu somente no colo dos militares e não acredito que eles queiram passar por isso novamente”, disse.
Pós-pandemia
Na avaliação do ex-ministro – ao contrário do que muita gente acredita, de que a pandemia pode gerar um horizonte de solidariedade internacional -, o mundo vai sair da crise com uma disputa geopolítica acirrada, especialmente entre Estados Unidos e China.
Durante a pandemia, boa parte dos países da Europa teve que se virar com os próprios recursos. A ajuda internacional foi mínima ou inexistente. Assim, o mundo sairá mais desigual. “Um sinal disso é que enquanto os trabalhadores perdem empregos e a estrutura produtiva sofre pesadamente com as medidas de enfrentamento à Covid, a especulação financeira não recuou. A movimentação na Bolsa de Valores não tem sido impactada da mesma forma”, observou Aldo Rebelo.
O ex-presidente da Câmara informou que a Alemanha está colocando 16% do seu PIB em medidas de suporte ao emprego e à capacidade produtiva do país e que a França já anunciou que não vai deixar as empresas quebrarem, nem que tenha que estatizá-las temporariamente. “Agora eu pergunto: qual a chance de Paulo Guedes, com base na experiência ultraliberal que usou no Chile, ser capaz de conduzir uma política de reestruturação do Brasil na pós-pandemia? Mas Bolsonaro não vai tirar Guedes. Até porque não sabe o que por no lugar”, disse.
Resiliência
Apesar das dificuldades apontadas por Aldo no cenário nacional, ele acredita que o Brasil vai sobreviver ao governo Bolsonaro. Mas as lideranças políticas efetivamente capazes precisam assumir a direção da retomada. “Precisamos reforçar a sinalização de primeira potência agrícola do mundo. Retomar investimento forte no parque científico e tecnológico. Poromover a reindustrialização. E abordar as questões ambientais, como a Amazônia, por exemplo, como solução e não como problema”, elencou em sua abordagem.
Entre as propostas defendidas por Rebelo, estão a promoção de uma terceira marcha histórica de ocupação do Oeste brasileiro, levando ciência e tecnologia, e abrir caminhos através de um corredor de transporte capaz de levar o Brasil produtivo ao Pacífico, fortalecendo o comércio com os países da Ásia.
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