Home SinjorBA Artigo: Motolink armado da TV Aratu adiciona novos riscos ao Jornalismo

Artigo: Motolink armado da TV Aratu adiciona novos riscos ao Jornalismo

por Fernanda Gama

Foto: Câmara Municipal de Salvador

Por Moacy Neves *

Na quinta (19) a Bahia foi brindada por uma transmissão de uma fuga de um suposto assaltante na BR 324, mostrada ao vivo pelas câmeras da TV Aratu, que transmite o sinal do SBT na Bahia. As imagens mostram um homem correndo, provavelmente segurando uma arma na cintura.

Mas esse não era o único detalhe do quase inusitado. Enquanto a reportagem da emissora filmava a fuga do suposto bandido e tentava entrevistar as vítimas que teriam sido abordadas por ele, o apresentador do programa aciona outro cinegrafista da emissora, no comando de uma moto, um motolink, a modalidade de cobertura que virou febre nos programas jornalísticos nos últimos anos.

No ar, o apresentador pede que ele se dirija ao local e pergunta se o profissional estava armado e pronto a trocar tiros com o bandido e ele, guiando a moto em velocidade, faz um gesto de positivo com o polegar, além de pronunciar uma gíria, que está com a “bíblia”, para se referir à arma. Felizmente, ele não chegou a tempo de encarar o assaltante.

O Jornalismo sempre foi uma profissão de risco, apesar de até hoje não ter reconhecido o direito de seus profissionais à periculosidade, mesmo com a prova dos numerosos registros de violência à qual estamos expostos todos os dias. Porém, a irresponsabilidade do apresentador e, por tabela, da TV Aratu, de incentivar a perseguição a um suposto bandido por um funcionário da emissora, armado, coloca essa realidade em patamar mais absoluto.

Isso porque, ao incentivar um funcionário a perseguir um suposto bandido, pronto a trocar tiros com este, ao vivo, a TV coloca em risco todos os demais profissionais do Jornalismo, de qualquer veículo, jornalistas e cinegrafistas, que cobrem segurança e até mesmo outras editorias. A partir de agora, ao cobrir episódios de confrontos ou fatos em local de risco, nossos colegas podem tranquilamente ser recebidos a bala. A afiliada do SBT liberou a senha.

Ademais, este comportamento coloca o Jornalismo em xeque, ao pisotear suas bases, ajudando a destruir seu papel na construção da cidadania e de uma sociedade mais moderna e avançada. Sim, se os patrões da comunicação já não estivessem apagando a importância da atividade de motolink para a agilidade do jornalismo, com o conjunto de ilegalidades trabalhistas que comete na exploração cotidiana de profissionais que cumprem tripla (e insegura) função, agora temos um adicional ainda mais trágico: o incentivo ao uso de armas e a possibilidade da troca de tiros com bandidos, a premiar o pior dos papéis que um veículo e um profissional de imprensa podem cumprir.

Um profissional de comunicação não pode, em nenhum aspecto, substituir agentes de segurança. A Constituição Federal, em seu artigo 144, define o poder de polícia, suas prerrogativas e delimitações. Já o artigo 345 do Código Penal Brasileiro, também conhecido como “exercício arbitrário das próprias razões”, proíbe o ato e define as penas ao infrator. Cabe ao Ministério Público agir.

De nossa parte, há de se reafirmar duas questões, ao final. Primeiro, o Jornalismo não pode ser arrastado ao lugar enlameado, inseguro, hostil e muitas vezes criminoso, habitado pelo advento do caça-cliques e da audiência a qualquer custo. E, segundo, é preciso que a fiscalização do Ministério do Trabalho coloque um freio na utilização ilegal de motolinks, função que não existe na regulamentação de jornalismo. Não bastasse ao profissional o risco de um trânsito que a cada dia mata mais, ele trabalha com a tripla obrigação de dirigir a moto, produzir filmagens e cumprir função de repórter, tudo ao mesmo tempo. Vamos torcer para que a função de trocar de tiros com bandidos, que poderia ser a quarta, tenha sido apenas um ato falho de um apresentador sedento por audiência e um veículo de comunicação descuidado.

O caso envolvendo uma repórter e um cinegrafista da mesma TV Aratu, ameaçados de morte em frente a uma unidade de saúde, em Salvador, em fins de abril passado, após uma pauta mal produzida, parece não ter ensinado nada à emissora. Aliás, a sensação é que este veículo desistiu do Jornalismo e trilhou um caminho tortuoso que ignora o dano de crimes e criminosos à sociedade, preferindo o ganho fácil que a cobertura sensacionalista pode lhe conferir.

*Moacy Neves é presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) e 1º secretário da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)