A convite do Sinjorba, o professor Victor Simões Zamberlan deu uma verdadeira aula sobre Inteligência Artificial (IA) e jornalismo, no debate que o Sindicato promoveu no dia 17 de setembro. A iniciativa se encaixa no objetivo da entidade de aprofundar a discussão sobre uma tecnologia que cresce vertiginosamente não apenas no jornalismo, mas em todas as áreas da sociedade atual.
Victor, que é professor da Unesp, onde integra uma equipe de 50 pesquisadores sobre IA, iniciou sua palestra às 18h, permanecendo à disposição dos jornalistas baianos por mais de duas horas, na Casa do Artesanato, em Salvador, com transmissão ao vivo pelas redes sociais do Sinjorba. Após a explanação, respondeu perguntas dos presentes e dos internautas, o que garantiu grande interatividade sobre um tema fundamental para o jornalismo.
Para Victor, o principal aprendizado a ser feito sobre IA é evitar as análises apocalípticas, já que se trata de uma ferramenta e, como tal, é sua aplicação pelos usuários que pode ou não configurar ameaça às relações humanas. Assim, a principal orientação é aprender sobre ela e discutir parâmetros para sua utilização. Nesse sentido, Zamberlan indica encarar essa nova realidade e sugere a leitura do Plano Brasileiro de IA.
Os números e referências sobre as diversas iniciativas que estão construindo plataformas de IA, entretanto, são preocupantes. Isso porque a capacidade de processamento e armazenamento de dados requer investimentos bilionários em equipamentos e tecnologia, recursos que somente as grandes corporações – as chamadas big techs -, dispõem.
Riscos no horizonte
Mais uma vez, estamos diante do desafio de estabelecer critérios e limites para a utilização dessa tecnologia, já que quem detém o conhecimento também pode exercer controle sobre diversas áreas como economia, saúde, educação e até mesmo política e estratégias de conflitos bélicos, impactando, dessa forma, no equilíbrio geopolítico global.
Para se ter uma ideia do desequilíbrio na construção desse conhecimento, de todos os recursos investidos atualmente no mundo no desenvolvimento da IA, 50% estão concentrados no Estados Unidos. Em seguida vem a China, com 10%, União Européia com 9% e 5% no Reino Unido.
Victor entende que “não há pensamento mágico quando tratamos de IA, o que há é um complexo econômico e político que sustenta a ação capitalista dos novos mercados digitais. As IAs não são neutras, são produtos de um sistema que visa a expansão e consolidação de mercados dominados por grandes corporações”, alerta o professor.
Efeitos colaterais
O impacto da IA se dá na medida em que diversos produtos que resultavam de trabalho humano, agora podem ser disponibilizados através dessa ferramenta sofisticada. No jornalismo, por exemplo, a geração de imagens e textos por IA já dispensa a necessidade de profissionais em muitos casos.
Assim como aconteceu com o advento da internet e, mais recentemente, das redes sociais, a princípio muita gente acha que a Inteligência Artificial pode proporcionar mais recursos no ambiente de trabalho, significando mais liberdade e comodidade, mas o professor Victor alerta que o preço pelas facilidades alardeadas já começa a ser cobrado, com a redução de postos de trabalho.
Segundo dados apurados na linha de pesquisa que Victor desenvolve na Unesp, atualmente essa ferramenta é usada de forma sistemática para produção de notícias em mais de 100 grandes redações ao redor do mundo. A América do Norte lidera esse ranking com 49 iniciativas, seguida pela Europa, com 21 iniciativas. O Brasil contabiliza pelo menos nove registros dessa utilização.
Outro efeito colateral preocupante é a facilidade com que se pode criar imagens e conteúdos falsos (fake news), dada a sofisticação dos resultados alcançados com IA. O professor citou a emblemática foto do Papa Francisco com casaco de inverno, que viralizou na internet antes de ser denunciada como falsa.
Em resumo, no jornalismo a IA aumenta o risco de manipulação da informação. No mundo do trabalho é mais uma ameaça aos empregos. Na economia já desenha ainda mais concentração de renda e, na política, utilizada na produção de fake news, tende a sofisticar as ameaças à democracia. Por tudo isso é fundamental que se conheça melhor essa tecnologia, para que se possa dar uma utilização adequada e ética à ela, até porque não existe caminho de volta.