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Assassinato da jornalista Daniela Santos é considerado feminicídio

Decisão do segundo júri popular aumenta a pena original

por Fernanda Gama

Poucos dias após completarem-se quatro anos do assassinato da jornalista Daniela Bispo dos Santos, o ex-namorado dela e réu confesso, Mateus Viliam Oliveira Alecrim Dourado Araújo, teve a pena aumentada de 17 anos e 10 dias para 23 anos e 5 meses de prisão. O caso foi pela segunda vez a júri popular na tarde desta terça-feira (16) , no Fórum Rui Barbosa, em Salvador, após um pedido do Ministério Público da Bahia para que o crime fosse reconhecido como feminicídio, com base nas suas características e no relacionamento pessoal entre assassino e vítima

Na primeira condenação em 2018, o crime foi enquadrado como homicídio qualificado: motivo torpe, recurso que tornou impossível a defesa da vítima e meio cruel. De acordo com o Tribunal de Justiça da Bahia, à época os jurados afastaram a qualificadora do feminicídio. Neste novo julgamento, foram acatados os argumentos apresentados pelos advogados da família de Daniela com base na Lei 13.104 de 2015, que reconhece o feminicídio como uma qualificadora para o crime.

Daniela, mãe de dois filhos, foi morta em 14 de novembro de 2017 aos 38 anos pelo ex-namorado no seu local de trabalho. O assassino premeditou o crime, levando uma pedra na mochila, usada para golpear a vítima, um par de sandálias e três camisas que foram trocadas nas escadas, no táxi e no ônibus durante sua fuga, na intenção de despistar. Eles haviam terminado um relacionamento e Daniela vinha cobrando o pagamento de compras que o assassino havia feito no seu cartão de crédito, quando foi montada a emboscada. 

Após discussão entre eles, Mateus a matou com socos e depois pedradas. Daniela caiu do 6º para o 5º andar agonizante. O corpo foi encontrado no dia seguinte, no quinto andar do prédio onde ela trabalhava,  na Avenida Tancredo Neves, com marcas de espancamento e perfurações.

Ela amava o jornalismo”

Daniela era uma mulher alegre, inteligente e cheia de vida. Sempre sonhou ser jornalista e amava a profissão. Um parente, que prefere não ser identificado, conversou com o Sinjorba e contou que para a família reviver tudo que aconteceu há quatro anos foi muito doloroso.

Os pais dela estão devastados. Para nós, foi um sofrimento enorme ouvir uma pessoa tão querida ser desqualificada como aconteceu neste segundo júri. A ferida foi novamente aberta, porque não há justiça num caso como este. Nada vai trazê-la de volta. Mas o primeiro julgamento deixou em nós um sentimento de que havia algo faltando, que era a qualificação como feminicídio. Agora, que o assunto vem sendo mais debatido, foi importante para nós que a morte fosse enquadrada no que de fato ocorreu”, contou.

O feminicida já cumpria pena no Complexo da Mata Escura, em Salvador, e retorna para o presídio com a nova sentença.

Mulheres protestaram pedindo justiça para Daniela

Pela manhã, entidades que atuam na defesa dos direitos das mulheres, instituições de proteção e movimentos sociais estiveram no Campo da Pólvora, em frente ao Fórum Rui Barbosa, num ato que marcou o pedido de que o crime fosse enquadrado como feminicídio. 

De acordo com a advogada Letícia Ferreira, presidenta da Tamojuntas, desde a Lei federal 13.104 de 2015, o feminicídio é definido como um homicídio que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação em relação à mulher. “No Brasil, 80% dos casos de feminicídios são cometidos por companheiros ou ex-companheiros, na Bahia temos mais de 60 mulheres assassinadas. Daniela foi vítima do patriarcado, do machismo. Ela foi morta por ser mulher, por confiar no ex-companheiro”, declarou.

Para a deputada estadual Olívia Santana (PCdoB), presidenta da Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa da Bahia, mulheres como Daniela são mortas todos os dias por uma estrutura machista, arcaica. “Estamos aqui para gritar por justiça, nunca vamos aceitar a violência contra as mulheres”, discursou.

A representante da Comissão dos Direitos da Mulher da OAB, Renata Deiró, lembrou que o Conselho Nacional de Justiça-CNJ recomenda que o Sistema de Justiça adote o feminicídio, previsto em lei específica desde 2015, como referência para qualificar os crimes cometidos contra mulheres que tenham evidências claras. A coordenadora da Marcha do Empoderamento Crespo Naira Gomes destacou as expressões da violência de gênero que culminam com o feminicídio. “A morte física da mulher é antecedida por atos cotidianos, de agressões morais, assédio, constrangimentos psicológicos. A luta coletiva é que nos fortalece, vamos lutar por cada mulher, vamos conversar com a vizinha, a amiga, vamos nos unir”, conclamou.

Estiveram na manifestação entidades como União Brasileira das Mulheres, Tamojuntas, Comissão dos Direitos das Mulheres da Ordem dos Advogados da Bahia, Marcha do Empoderamento Crespo, União de Negros pela Igualdade, Comissão dos Direitos das Mulheres da Assembleia Legislativa da Bahia, Comissão de Mulheres do Sindicato dos Jornalistas da Bahia e Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres de Salvador, além da mandata coletiva “Pretas por Salvador” (PSOL).